O Cavalinho era o brinquedo mais antigo daquele quarto de crianças. Era tão velho, que seu pêlo castanho mostrava muitas falhas, aparecendo a costura debaixo, e a maior parte dos pêlos de sua longa cauda haviam sido arrancados para se fazerem colarzinhos de contas.
Ele era bastante experiente, pois já vira inúmeros brinquedos automáticos chegarem ali cheios de orgulho e arrogância, mas que, com o passar do tempo, quebravam as cordas e “morriam”. Ele sabia que todos não passavam de meros brinquedos e que nunca passariam disso. Pois a magia do quarto de brinquedos é estranha e maravilhosa, e somente aqueles que já eram velhos e sábios e experientes como o Cavalinho a compreendiam bem.
— O que é ser de verdade? Indagou o Coelhinho certo dia quando estava ao lado do Cavalinho, perto da lareira, antes de a ama vir arrumar o quarto. É ter dentro da gente uma coisinha que faz um zumbido e uma chavinha de dar corda?
— Ser “de verdade” não tem nada a ver com a maneira como somos feitos, respondeu o Cavalinho. é uma coisa que nos acontece. Quando uma criança nos ama durante um longo tempo, isto é, não apenas gosta de brincar conosco, mas nos ama realmente, então passamos a ser
‘de “verdade”.
— E isso dói? Perguntou o Coelhinho.
— Às vezes dói, disse o Cavalinho, pois não gostava de esconder a verdade. Mas, quando somos “de verdade”, não nos importamos muito com a dor.
— E acontece de uma vez só, como quando nos dão corda, ou é pouco a pouco? Quis saber ele.
— Não é de uma vez só, explicou o Cavalinho. A gente vai se transformando, leva muito tempo. É por isso que aqueles que quebram facilmente, ou têm arestas cortantes, ou têm que ser manejadas com cuidado, não podem passar por esse processo. De um modo geral, quando afinal nos tornamos “de verdade”, nossso pêlo já foi arrancado pelos carinhos, os olhos já cairam, estamos com as juntas soltas e muito surrados. Mas nada disso tem importância, porque depois que somos “de verdade” não somos mais feitos, a não ser para as pessoas que não entendem essas coisas”.