
Vivemos tempos em que a palavra justiça é repetida em tantos contextos — nos jornais, nas conversas, nas redes sociais — que corre o risco de se tornar apenas um eco vazio, uma exigência lançada aos outros, mas raramente acolhida no próprio coração. No entanto, para o cristão autêntico, a justiça não é um slogan, é uma virtude. E mais do que uma ideia nobre, é um dever diário, silencioso e fiel.
A tradição cristã sempre ensinou que a justiça é uma das quatro virtudes cardeais, aquelas que funcionam como “dobradiças” (do latim cardo) sobre as quais giram todas as outras virtudes. Santo Tomás de Aquino a define com simplicidade e precisão: “A justiça é a vontade firme e constante de dar a cada um o que lhe é devido.” Parece pouco? Mas é tudo. Porque ser justo é aprender a sair de si para reconhecer o valor do outro.
A justiça começa nas pequenas coisas: devolver o troco certo, falar a verdade, respeitar o tempo dos outros, cumprir as promessas. É no cotidiano que se revela o coração justo — não apenas quando se trata de grandes causas sociais (que também são importantes), mas nas relações de trabalho, na família, na amizade. O justo é aquele que não manipula, que não finge, que não explora, que não se omite.
Mas o cristão não se contenta com a justiça “mínima”. Jesus nos ensinou a dar mais do que o que é devido. “Se alguém te obrigar a andar mil passos, caminha dois mil com ele” (cf. Mt 5,41). Aqui entra uma dimensão nova: a caridade. A justiça, quando habitada pela caridade, se torna mais do que um equilíbrio; torna-se um dom. É quando não apenas damos o que é do outro, mas começamos a doar-nos.
A justiça é também um caminho de santidade, porque nos obriga a domar o egoísmo e a cultivar a humildade. Para ser justo, é preciso reconhecer que o outro tem direitos — e que eu nem sempre sou o centro. É por isso que a justiça nos educa: ela purifica nosso olhar e alarga nosso coração.
E há um campo ainda mais profundo em que essa virtude se revela: a nossa relação com Deus. Sim, há uma justiça devida ao próprio Senhor. Dar a Deus o que é de Deus — isso é ser justo. E o que Lhe devemos? A adoração, a gratidão, o amor. “Render a Deus um culto espiritual” (cf. Rm 12,1) é um ato de justiça. O culto não é um favor que fazemos a Deus, mas o justo reconhecimento de quem Ele é.
A vida cristã, portanto, só é verdadeira se for marcada por esta virtude. Quem busca a santidade deve ser justo. Não há santidade sem justiça, e não há justiça sem o coração aberto à graça de Deus, que nos transforma por dentro.
Que neste tempo, em meio a tantas vozes e confusões, saibamos cultivar essa virtude silenciosa, firme, luminosa. Porque o mundo precisa, mais do que discursos, de homens e mulheres justos. E a Igreja, nossa casa, floresce quando cada fiel decide viver com retidão diante de Deus e dos irmãos.
No Coração de Jesus e Maria,
Frederico Coqueiro Dias