As Cartas do Novo Testamento – Parte II
Primeira Carta aos Coríntios: “Problemas de uma comunidade”.
Corinto era uma cidade comercial onde havia uma mistura de raças e religiões haviam criado nela uma ambiente de ganância e imoralidade. Para sanar esse problema é preciso ter um único líder: Jesus Cristo. Paulo adverte: nosso corpo é o templo do Espírito Santo. Ele ainda fala da importância do matrimônio (casamento) e de outros estados de vida (solteiros, viúvas) que também podem ser fecundos dentro do plano de Deus. Paulo aproveita para ensinar a verdadeira liberdade cristã, cujo limite é o respeito aos outros. Paulo diz que a Eucaristia sem amor fraterno é impossível. Os carismas (dons) só tem sentido se estão a serviço do bem da comunidade e se estão subordinados ao dom maior, que é o amor. No capítulo 15, através de exemplos tirados da natureza e da própria ressurreição de Cristo, Paulo demonstra que a ressurreição dos corpos é inquestionável. Assim, não existe reencarnação.
Segunda carta aos Coríntios: A força se manifesta na fraqueza.
Na primeira parte, Paulo recorda a comunidade de Corinto, onde Tito fora enviado para resolver essa questão e voltara trazendo boas notícias de reconciliação. Na Segunda parte, em Corinto foi feita uma coleta para ajudar a Igreja de Jerusalém, que estava em sérias dificuldades financeiras. A ajuda econômica às comunidades mais pobres, desde o início do cristianismo, é sinal importante da unidade da Igreja de Cristo. Na última parte Paulo se mostra forte e fraco, mas sempre fiel à sua missão apostólica e consciente da originalidade do Evangelho que prega. Criticado, Paulo reconhece seus limites, mas tem uma certeza, que o Senhor lhe transmite: “Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder”. Todos nós, em Deus, podemos muito mais!
Carta aos Gálatas: O manifesto da liberdade cristã.
Nesta carta Paulo teve notícias de um ataque contra ele e sua doutrina nas comunidades da Galácia. Queriam impor a circuncisão e a observância da Lei mosaica aos pagãos convertidos ao cristianismo. Além disso, ridicularizavam Paulo, negando sua autoridade de apóstolo por não pertencer ao grupo dos doze apóstolos. A carta de Paulo foi definida como manifesto da liberdade cristã e da universidade da Igreja. A liberdade é sobre uma Libertação para uma vida adulta e consciente, graças ao uso responsável da liberdade. A vida do homem não deve ser determinada pela relação com um código de leis, mas por um compromisso pessoal e íntimo com Cristo. A liberdade é conduzida pelo amor a si mesmo e aos outros.
Carta aos Efésios: o mistério e a vida da Igreja.
A carta aos Efésios forma, junto com as cartas aos Filipenses, a Filêmon e aos Colossenses, o grupo assim chamado das cartas do cativeiro. A carta aos Efésios fala do projeto de Deus para a salvação da humanidade. Cristo, porém, não está longe do mundo, nem dos homens. Centro de todo o projeto de Deus, Cristo é o caminho da reconciliação e reunião de todos os homens como povo de Deus. A Igreja reúne a humanidade toda, e Paulo a contempla nas dimensões do universo. A igreja é descrita com as imagens da esposa, do corpo, do edifício de Deus.
Carta aos Filipenses: o verdadeiro Evangelho.
Filipos foi a primeira cidade européia a receber a mensagem cristã. A carta aos Filipenses foi escrita a partir da prisão. Paulo está incerto sobre o rumo que sua situação vai tomar: pode ser morto ou pode ser liberto. Mas ele tem grande confiança que será solto e poderá visitar de novo, pessoalmente, a comunidade de Filipos. Dentre os vários motivos de escrever uma carta, Paulo adverte a comunidade sobre a divisão causada pelo espírito de competição e egoísmo de alguns; previne a comunidade contra os pregadores judaizantes, que colocam a salvação na circuncisão e na observância da Lei; relembra aos cristãos de Filipos que a autenticidade do Evangelho, anunciado e vivido, está na cruz de Cristo (que recebeu do Pai o poder de conceder aos homens a salvação). Alguns pregadores insistem em fazer a salvação depender da Lei, o Apóstolo mostra com vigor que a salvação só depende de Jesus Cristo. Esta carta, portanto, fornece o critério para que uma comunidade cristã saiba reconhecer o verdadeiro Evangelho e quais são os pregadores autênticos.
Carta aos Colossenses: O mistério de Cristo.
Os cristãos da comunidade de Colossas estavam ameaçados por uma heresia que misturava elementos pagãos, judaicos e cristãos. Seus seguidores davam muita importância aos poderes angélicos, às forças cósmicas e a outros seres intermediários entre Deus e o homem, que teriam um papel importante no destino de cada pessoa. Paulo mostra mais uma vez que Cristo é o mediador único e universal entre Deus e o mundo criado; tudo se realiza por meio d’Ele, desde a criação até a salvação e reconciliação de todas as coisas. Uma vez que Deus colocou Jesus Cristo como cabeça de todo o universo, os cristãos, que morreram e ressuscitaram com ele e permanecem unidos a ele, não devem temer nada e a ninguém. Só a renovação em Cristo pode quebrar as barreiras entre os homens, dando origem a novas relações humanas, radicalmente diferentes daquelas que costumam existir na sociedade.
Primeira carta aos Tessalonicenses: A esperança cristã.
Esta carta, redigida em Corinto, é o primeiro escrito do Novo Testamento e o primeiro documento do cristianismo. Paulo anuncia aí o Evangelho e forma um pequeno grupo. Perseguido, ele tem de fugir e seu trabalho corre o risco de acabar. Recebendo em Corinto notícias de que a comunidade continuava fervorosa e ativa, ele escreve esta carta para comunicar a sua alegria e estimular a perseverança da comunidade. Nesta carta Paulo também procura responder a algumas questões que preocupam a comunidade Tessalônica. Uma delas é o problema da vinda gloriosa de Cristo. Os tessalonicenses pensavam que essa vinda se realizaria logo e perguntavam-se: Os que já morreram não vão participar desse grande acontecimento? Paulo mostra que no fim, tanto os mortos como os vivos estarão reunidos para viverem sempre com Cristo ressuscitado. A esperança é para todos, e todos participarão da vitória de Cristo sobre o que é mal e sobre a morte. O Apóstolo relembra que a vida cristã é uma espera ativa do Senhor. A espera, formada de fé e perseverança, leva a construir a comunidade no amor.
Segunda carta aos Tessalonicenses: O realismo cristão.
A preocupação não é quando vai acontecer o fim do mundo, mas como devemos comportar-nos na espera de que isso aconteça. Algumas pessoas da comunidade de Tessalônica, ouvindo falar que Jesus Cristo glorioso deveria vir em breve, se refugiavam numa falsa idéia de que as perseguições não mais aconteciam. E com isso estavam perdendo a garra cristã de lutar pela construção do Reino. A atitude de quem espera a vinda gloriosa de Cristo não é acomodar-se ou cruzar os braços, como se não houvesse mais nada a fazer neste mundo, a atitude é lutar até o fim. Ao falar sobre a proximidade da vinda de Cristo, a carta se refere a uma urgência de comportamento: fé ativa, perseverança, firmeza no testemunho, ânimo e coragem. A carta toma como base de seu ensinamento a apocalíptica, isto é, as coisas que falam sobre o fim do mundo.
Primeira carta a Timóteo: Instruções para o ministério.
Junto com a carta a Tito, as cartas a Timóteo formam um conjunto à parte na literatura que é comumente atribuída a São Paulo. Não se dirigem a uma comunidade, mas a pessoas individuais que possuem uma responsabilidade no governo, no ensino e no comportamento das comunidades cristãs. Timóteo foi o discípulo e colaborador de Paulo, e é mencionado ou está sempre junto com o Apóstolo quando este escreve suas cartas. A importância da 1Tm está no seu testemunho histórico sobre a organização eclesiástica (igreja). Paulo insiste para que Timóteo desempenhe com firmeza e coragem a função que ele recebeu de Cristo através do rito da imposição das mãos (“ordenação”).Através deste rito, até hoje, nossos sacerdotes são ordenados.
Segunda Carta a Timóteo: Combater o bom combate.
Embora trate dos mesmos temas da primeira carta a Timóteo e da carta a Tito, a Segunda carta a Timóteo é um escrito bem mais pessoal, parecendo até mesmo uma carta privada. O interesse central se desloca da comunidade cristã para a relação pessoal que existe entre Paulo e Timóteo, tornando esta carta muito semelhante à carta a Filêmon. Paulo está de novo na prisão, agora em Roma, provavelmente pelo ano 67. O Apóstolo se sente só, ninguém o defendeu no tribunal, seus dias estão contados, e ele se prepara para o martírio. Diante do abandono, incompreensão, torturas e próxima execução, Paulo continua firme e dá ação de graças. Antes da morte, deseja rever seu “amado filho Timóteo” e confirmá-lo na sua missão. O tema central da carta são as considerações sobre os “últimos dias”. Em certa parte, Paulo recomenda a Timóteo: não envergonhar-se do Evangelho, mas proclamá-lo com integridade; tomar cuidado com as “palavras” dos falsos pregadores que aparecerão nos últimos tempos, apresentando falsas doutrinas; vigiar a si mesmo e manter-se perseverante, mesmo que deva sofrer junto com Paulo por causa do Evangelho.
Carta a Tito: A sã doutrina.
A carta a Tito e a primeira carta a Timóteo tratam dos mesmos problemas. O Evangelho foi anunciado, as comunidades foram fundadas e, algumas dezenas de anos depois, aparecem os verdadeiros problemas. Alguns cristãos, provavelmente de origem judaica, misturam o Evangelho com teorias preparadas por alguns grupos judaicos que se arrogam o direito de regulamentar o uso dos alimentos e proibir o matrimônio. Por outro lado, também os costumes laxos do paganismo e se infiltram na comunidade, falseando a moral. É preciso recordar aos cristãos que a salvação foi trazida por Cristo, bem como traçar as grandes linhas do comportamento para a vida privada e social e prover a organização das Igrejas.
A carta foi escrita provavelmente pelos 64-65. Tito, seu destinatário, é o delegado pessoal de Paulo na ilha de Creta. Segundo Gl 2,1ss ele era grego, acompanhou Paulo e Barnabé a Antioquia e, apesar de sua origem pagã, não foi circuncidado para demonstrar a liberdade sobre a lei. Agora Paulo conta com ele para organizar a comunidade de Creta e lutar contra os que falseiam a palavra de Deus.
O centro da carta é a “sã doutrina”, isto é, a vontade salvífica de Deus e a salvação gratuita trazida por Cristo. Ao redor desse núcleo giram várias partes da carta, numa organização temática bem mais feliz que a da primeira carta a Timóteo. Tito deve instituir presbíteros a fim de que estes exortem à “sã doutrina” e refutem todos os que a contradizem; além do mais, o próprio Tito deverá “fechar a boca” dessa gente, ensinando, pondo e fazendo pôr em prática a “sã doutrina”.
Carta a Filêmon: Em Cristo todos os irmãos.
De todas as cartas de Paulo, a carta a Filêmon é a mais breve, a mais pessoal e a única escrita inteiramente pelo próprio punho do Apóstolo. Como na carta aos Colossenses, Paulo está na prisão, provavelmente em Éfeso, acompanhado das mesmas pessoas. O fato de Onésimo voltar a Tíquico para Colossas faz supor com muita probabilidade que esta carta foi escrita na mesma data que a carta aos colossenses. Filêmon parece ser um membro importante da igreja de Colossas, talvez o líder do grupo cristão que se reúne em sua casa.
A carta é uma recomendação de Onésimo, um escravo que fugiu do seu patrão, provavelmente após Ter cometido um roubo. Onésimo procurou o apoio de Paulo, que estava na prisão, e acabou convertendo-se ao cristianismo. Paulo manda-o de volta a Filêmon, pedindo a este que o trate como irmão. Desse modo o Apóstolo mostra que o Evangelho põe fim nas diferenças entre os homens e faz surgir uma nova relação na sociedade.
Paulo certamente não pensava em criticar o estatuto da escravidão, comum ao seu tempo, provocando assim uma revolução social. Os cristãos ainda não tinham força e presença suficiente para exigir transformações estruturais da sociedade. Mas o Apóstolo deixa um exemplo que implicitamente declara que a estrutura vigente não é legitima. Com efeito, mostrando que as relações dentro da comunidade cristã devem ser fraternas, Paulo esvazia completamente o estatuto da escravidão e a desigualdade das classes. Em Cristo todos são irmãos, com os mesmos direitos e deveres. E só Cristo é o Senhor.
Carta aos Hebreus: Cristo, único e verdadeiro Sacerdote
Em geral ligada aos escritos de Paulo, a carta aos Hebreus é, na verdade, um sermão dirigido não a judeus, mas a cristãos de origem judaica que provavelmente vivemem Roma. Escritopelo ano 80, este sermão parece ser de um discípulo de Paulo, pois seu estilo e tema o distanciam bastante dos escritos do Apóstolo.
Os destinatários parecem correr o perigo de rejeitar a féem Jesus Cristo, para voltar à prática do judaísmo. Eles enfrentam a perseguição por serem cristãos e talvez se escandalizam com a forma humilde e dolorosa da manifestação terrestre de Jesus e com a demora da salvação definitiva.
O judaísmo se apoiava em duas colunas para levar à salvação e à comunhão com Deus: a observância da Lei e a prática cultual. Paulo mostra que a Lei é incapaz de salvar; a salvação vem pela féem Jesus. Oautor de Hebreus, por sua vez, mostra que os ritos e sacrifícios judaicos não asseguram o perdão dos pecados e a comunhão com Deus. O centro do sermão dos pecados e a comunhão com Deus. O centro do sermão está na apresentação de Jesus com único mediador entre Deus e os homens e, portanto, como único salvador. Jesus superou todo o culto do AT: ele é o único sumo sacerdote que, entregando-se a si próprio como vítima, realizou o sacrifício supremo e definitivo, obtendo de uma vez por todas o perdão dos pecados e abrindo para a humanidade o acesso à comunhão com Deus.
A carta pede que os cristãos não transformem a fé em mero culto, deixando o testemunho em troca de rituais vazios. O verdadeiro modo de unir-se e servir a Deus é obedecer à sua vontade, vivendo uma vida norteada pela entrega de amor até a morte, a exemplo de Jesus.
Carta de Tiago: Sem as obras, a fé é cadáver.
A carta de Tiago é um escrito de caráter sapiencial, procurando mostrar a sabedoria do discernimento cristão diante das situações. Dirige-se a todas as comunidades cristãs, simbolizadas pelas “doze tribos” do novo povo de Deus. O autor se apresenta como Tiago, o irmão do Senhor, que dirigiu a comunidade de Jerusalém e morreu mátir no ano 62. Diversas razões, porém, fazem pensar que o verdadeiro autor da carta é um judeu de origem grega do final do século I, e que escreveu a carta entre os anos 80-100.
A mensagem de Tiago é tipicamente cristã, pois, como os Evangelhos, reduz toda a lei judaica ao mandamento do amor ao próximo. Pode-se dizer que a carta inteira é uma explicação das exigências desse mandamento em diversas circunstâncias: igualdade cristã, preferência pelos pobres, amor ativo. O amor exclui a exploração, e nesta carta encontramos a mais violenta passagem do Novo Testamento contra os ricos. A fé é vista como um dinamismo que produz ação e que só é madura quando se expressa em atos concretos, rejeitando portanto uma espiritualidade e uma religiosidade individualista e intimista. Da mesma forma, a verdadeira sabedoria se expressa pela conduta.
Tiago rejeita a costumeira separação entre “dimensão vertical” e “dimensão horizontal” da vida cristã: “do mesmo modo que o corpo sem o espírito é um cadáver, assim também a fé: sem as obras é um cadáver”. E as obras citadas no contexto são: dar de comer ao faminto e vestir quem está nu.
Primeira Carta de Pedro: A autenticidade do testemunho.
Escrita de Roma entre os anos 60-70, acarta se dirige a uma série de comunidades no norte e oeste da Ásia Menor, formadas principalmente por cristãos vindos do paganismo e talvez por um bom número de pessoas que antes eram simpatizantes do judaísmo. A carta é na verdade uma espécie de catequese batismal ou homilia pascal que procura firmar a fé e a esperança das comunidades, relembrando a graça e o compromisso do batismo e a esperança da manifestação de Cristo.
As comunidades passam por um tempo de provação por causa de fortes pressões sociais: os cristãos são caluniados, sofrem vexames, suspeitas, oposição, são acusados de subversão, desprezados e marginalizados da vida social. Numa palavra, sofrem por ser cristãos, isto é, porque as comunidades testemunham um modelo alternativo de relações, tornando-se denúncia e crítica viva de uma sociedade injusta, fundada nas relações de desigualdade, exploração e opressão.
Encorajando os cristãos a perseverarem, a carta lembra que a vida nova provém da iniciativa de Deus, que escolheu as pessoas e as consagrou através do Espírito Santo. Os cristãos são, portanto, pessoas separadas da injustiça do mundo par obedecer a Jesus Cristo, continuando seu testemunho. Jesus foi perseguido e morto. Se perseguidos, os cristãos devem ver nisso o selo da autenticidade do seu testemunho.
A carta mostra que a Igreja é o novo povo de Deus que nasce a partir dos marginalizados, cujo testemunho provoca a reação da sociedade que a marginalizará ainda mais. Mas é assim mesmo que ela se apresenta como a testemunha do Ressuscitado que julga e salva.
Segunda carta de Pedro: Perseverar na esperança
Embora se apresente como sendo de Simão Pedro, esta Segunda carta é o último escrito do Novo Testamento, e foi provavelmente escrita no fim do séc. I ou mesmo em meados do séc. II. Seu autor imita o gênero literário do “testamento dos antepassados”, comum naquela época: colocar conselhos e advertências na boca dos patriarcas que estão próximos à morte.
Estamos no tempo em que a Igreja está passando da época primitiva para a chamada era pós-apostólica. Até aí o cristianismo fora vivido como novidade entusiasmante e esperava-se ardente e continuamente pela volta gloriosa de Jesus. Nesse momento, porém, o tempo do Jesus terrestre começava a perder-se no passado, e o futuro da sua Segunda vinda torna-se cada vez mais distante. A comunidade cristã vai aos poucos sofrendo influências de pensamentos e religiões diversas que ameaçam deturpar o mistério cristão e até mesmo a consciência moral das comunidades com uma série de idéias sem ligação com a vida.
A carta responde à situação, estimulando os desencorajados e denunciando com veemência as doutrinas estranhas à fé. Ao mesmo tempo que anuncia a catástrofe final do mundo, ensina também a paciência e a perseverança, o senso da vida sob o julgamento de Deus, o progresso na fé e na graça. Por outro lado, defende o essencial da fé e insiste na Palavra de Deus, referindo-se às cartas de Paulo como um conjunto literário bem conhecido de toda a Igreja. Em poucas palavras, a carta é uma lição importante para o cristianismo, que deve aceitar ser fermento dentro de uma longa história, embora deva recusar um estabelecimento trinfal num momento da história.
Primeira Carta de João: O dinamismo da fé é o amor.
O autor da 1Jo é talvez o mesmo do IV Evangelho ou um discípulo seu. A carta foi escrita provavelmente no fim do séc. I, e dirigida às comunidades cristãs da Ásia Menor.
Essas comunidades passam por uma crise provocada por um grupo de dissidentes carismáticos que propunham uma doutrina gnóstica, isto é, o homem se salva graças a um conhecimento religioso especial e pessoal. Tais pessoas negavam a Jesus como Messias e se gloriavam de conhecer a Deus, de amá-lo, de estar em íntima união com ele; afirmavam-se iluminados, livres de pecado e da baixeza do mundo; não davam importância ao amor ao próximo e talvez odiassem e hostilizassem a comunidade. O grupo foi rejeitado, mas as comunidades ficaram inseguras e confusas.
A carta mostra que um espiritualismo que não se traduz em comportamento prático é vazio. Não é possível amar a Deus sem amar ao próximo e formar comunidade, pois, se Deus é Pai, os homens são filhos e família de Deus, e todos devem se amar como irmãos. Deus manifestou seu amor por meio de Jesus, que tornou possível o amor entre os homens. Daí o perigo de negar que Jesus, que viveu e deu sua vida pelos homens, é só pela fidelidade ao exemplo e ao mandamento de Jesus que o homem tem vida plenamente humana.
A unidade da carta é o amor, e amar é traduzir a fé em vida concreta. Amar ao próximo significa conhecer a Deus, viver na luz, estar unido a Deus e aos irmãos, não pertencer ao mundo, cumprir os mandamentos e, portanto, amar a Deus, praticar a justiça, ser filho de Deus, obter o perdão dos pecados e libertar-se do medo.
Segunda e Terceira Cartas de João: Problemas e caminhos.
Os dois escritos têm um estilo bastante aproximado ao das cartas modernas. O emitente assina “Ancião” (= presbítero) e os destinatários se encontram na Ásia Menor. O autor e a época são os mesmos da 1Jo.
A 2Jo dirige-se a uma comunidade personificada como “senhora eleita”, repetindo frases da 1Jo. Trata-se de uma comunidade exposta à ameaça de perder o próprio coração da fé e da vida cristã. Alguns pregadores “avançados” negam que o homem Jesus seja o Messias enviado por Deus e deixam de lado o mandamento do amor mútuo, rompendo conseqüentemente sua relação com Deus. Em poucas palavras, pregam um conhecimento elevado que não necessita da fé em Jesus e nem do seu Evangelho de amor. O Ancião é radical: proíbe que a comunidade mantenha qualquer relação com esses impostores. Trata-se sem dúvida de pessoas que pertencem ao grupo combatido pela 1Jo.
A 3Jo é uma carta de encorajamento, que apresenta uma situação e pessoas bem concretas. O “Ancião” é certamente responsável por um grupo de comunidades, e está encontrando a oposição de Diótrefes, o bispo de uma Igreja local, a quem acusa de ser dominador e de Ter uma língua ferina. O Ancião enviou alguns missionários que se hospedaram na casa de Gaio, mas Diótrefes não permitiu que eles tivessem acesso à comunidade local; agora torna a enviá-los e pede a ajuda de Gaio. Demétrio, portador da carta, talvez seja um dos missionários. Note-se que a censura ao bispo Diótrefes não se deve a uma doutrina errada, mas ao seu espírito autoritário, que toma decisões sem consultar a comunidade.
Carta de Judas: Não deixar que a fé se enfraqueça.
Esta pequena carta atribuída a Judas, irmão de Tiago e parente de Jesus, provavelmente foi escrita no fim do séc. I. Seja quem for o autor, ele conhece bem a literatura judaica do seu tempo, os textos chamados apócrifos, que ele cita, e dos quais está muito próximo pelo estilo.
É um discurso violento mas, ao mesmo tempo, estranho e surpreendente; muitos particulares aí acenados são desconhecidos totalmente por nós. Entretanto, o cerne de sua preocupação é bastante claro: a necessidade de defender o essencial da fé com unhas e dentes e de denunciar com coragem as aberrações de um misticismo imoral. Parece que o autor ataca alguns grupos que pretendiam possuir uma forma particular de conhecimento. Estes provocavam a desunião da comunidade, até mesmo nas reuniões. A essas pessoas que se consideravam “espirituais”, e que chegavam a negar que Jesus Cristo é o Senhor, o autor as acusa de estarem dominadas por seus interesses e instintos e não pelo Espírito.
Essa violenta intervenção deve Ter tido certo êxito, pois é retomada na Segunda carta de Pedro, embora com alguns retoques. Não devemos ficar admirados com a sua violência, que não tem medo de usar formas injuriosas. Trata-se freqüentemente , de fórmulas fixas na literatura religiosa da época. Mais digna de nota é a preocupação profunda da carta: não permitir que o mistério cristão se enfraqueça.
Nessa acusação contra os que pervertem a fé em Cristo e a fé cristã, o autor cita os ímpios mais famosos da Bíblia: o povo revoltado no deserto, os misteriosos seres celestes de Gn 6,1-3, Sodoma e Gomorra, Caim, Coré.