HOMILIA DA SANTA MISSA NA SOLENIDADE DE CORPUS CHRISTI
MARÍLIA, 19 DE JUNHO DE 2014
Amados Irmãos e Irmãs
A Solenidade de Corpus Christi nos coloca diante do grande tesouro da Igreja: a Eucaristia. E para celebrar esta solenidade, foi escolhido o tema: Eucaristia, dom e partilha. Este tema, muito bem escolhido, vem de encontro com as leituras da Palavra de Deus da missa de hoje.
Na primeira leitura, tirada do livro do Deuteronômio há uma expressão que sempre me impressiona: “Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca do Senhor” (Dt 8,3). Estas palavras foram pronunciadas aos israelitas quando se encontravam numa situação desesperadora, estavam quase próximos à destruição. O autor convida a “lembrar”, “não esquecer” aquilo que Deus cumpriu em favor do povo, no passado. Convida a “reconhecer” o que aconteceu no deserto. Naquele lugar assustador, as dificuldades eram imensas: fome, sede, cobras venenosas, perigos de todos os tipos. Se o povo tivesse contado exclusivamente com suas próprias forças e recursos, com certeza teria morrido. Quem os salvou naquela situação desesperadora? Foi a “Palavra de Deus”.
Foi a Palavra de Deus que fez aparecer o maná, um alimento desconhecido, um alimento completamente novo, um alimento que até aquela data ninguém tinha provado. “Foi Deus quem te alimentou no deserto com maná, que teus pais não conheciam” (Dt 8,16). O maná, alimento misterioso para os israelitas, é símbolo da completa dependência do povo para com Deus e, ao mesmo tempo, é símbolo da fidelidade do Senhor ao seu povo. O autor do livro do Deuteronômio quer ensinar ao povo uma verdade muito importante: a palavra de Deus tem o poder de resolver situações humanamente desesperadoras. A maneira como Deus soluciona as dificuldades sempre constitui, para o povo, uma grande e agradável surpresa. E é por isso que não existe motivo, jamais, para perder a esperança. Deus não abandona o seu povo, Ele é sempre fiel. Deus se doa, é puro dom, alimenta, ampara e defende o seu povo no deserto e nas situações desesperadoras da vida.
No Evangelho, após a multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus convida as pessoas a procurarem “o pão vivo descido do céu” (Jo 6,51). Ninguém entende de que alimento Jesus está falando. Refere-se por acaso ao maná? Não, Jesus diz que o Pão é ele mesmo: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51). Quem comia o maná acabava morrendo, mas quem comer do pão vivo descido do céu, não morrerá jamais. Jesus é o verdadeiro maná.Mas o que quer dizer então comer a carne e beber o sangue de Jesus? Significa tomar Jesus como alimento em todos os sentidos: alimentar-se de sua palavra, de seu mandamento, do exemplo de sua vida e também da sua carne e do seu sangue, no gesto sacramental. Significa aceitar identificar-se com ele. Significa oferecer-lhe a nossa pessoa, para que ele possa continuar a viver, a sofrer, a doar-se e a ressuscitar em nós.
Este processo é lento, é composto de sucessos e fracassos, mas a humilde escuta da Palavra de Deus e a comunhão com o corpo de Cristo, que nos é oferecido como alimento, conseguem completar este milagre. Então perguntemos esta tarde, adorando Cristo realmente presente na Eucaristia: deixo-me transformar por Ele? Permito que o Senhor, que se doa a mim, me oriente? Permito que Ele me oriente para sair cada vez mais do meu espaço limitado, para sair e não ter medo de doar, de compartilhar, de amá-Lo, de amar os meus familiares? Amar aqueles que estão mais próximos de mim? Amar e compartilhar com aqueles que trabalham comigo, com os pobres, doentes e necessitados?
A segunda leitura, da carta de São Paulo aos Coríntios, nos ensina que o pão vivo que é o próprio Jesus, deve ser partido e dividido entre irmãos de uma comunidade. “Porque há um só pão, nós todos somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão” (1Cor 10,17). Esta tarde, também nós estamos ao redor da mesa do Senhor, como comunidade, como Igreja. Ele nos oferece mais uma vez o seu Corpo, tornando presente a única oferenda da cruz. É ao ouvir a sua Palavra, ao alimentar-nos do seu Corpo e do seu Sangue, que Ele nos faz passar do ser multidão ao ser comunidade, do anonimato à comunhão. A Eucaristia é o Sacramento da Partilha, da Comunhão, que nos faz sair do individualismo para viver juntos o seguimento, a fé em Nosso Senhor. Então deveríamos perguntar-nos todos, diante do Senhor: como vivo a Eucaristia? Vivo-a de um modo anônimo, ou como momento de verdadeira comunhão com o Senhor e com todos os irmãos e irmãs que compartilham a mesma mesa?
O papa Francisco nos ensina que na Igreja, mas também na sociedade, uma palavra-chave da qual não devemos ter receio é: solidariedade. Solidariedade significa por à disposição de Deus aquilo que temos, as nossas capacidades humildes, porque somente na partilha e no dom a nossa vida será fecunda e dará fruto. O papa Francisco nos diz ainda que a solidariedade é uma palavra malvista pelo espírito mundano. “O mundanismo espiritual, que se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja, é buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal” (Evangelii Gaudium 98). O espírito mundano gera o egoísmo, a corrupção e a violência. A corrupção dos poderosos, diz o papa Francisco, acaba sendo paga pelos pobres, que por causa da avidez dos outros, ficam sem aquilo de que têm necessidade e direito.
Na Eucaristia Jesus nos ensina a ser profetas, ou seja, transformar-nos em canais humildes e dóceis da Palavra de Deus. A profecia é feita com franqueza, para mostrar abertamente as contradições e as injustiças, mas sempre com mansidão e intenção construtiva. A verdadeira profecia nos leva a falar com as pessoas através do diálogo fraterno. Ajuda-nos a falar com os demais, reconhecendo neles nossos irmãos e irmãs, a falar com amizade, ternura e mansidão, compreendendo as angústias e as esperanças, as tristezas e as alegrias dos outros.
Queridos Irmãos e Irmãs: Eucaristia, dom e partilha. Rezemos a fim de que a participação na Eucaristia nos estimule sempre a seguir a Jesus Cristo a cada dia, a ser instrumento de comunhão, a partilhar com Ele e com todos os nossos irmãos e irmãs aquilo que nós somos. Que a participação na Eucaristia nos anime a viver, na Igreja Particular de Marília, as propostas do Primeiro Plano Diocesano de Pastoral. Assim a nossa existência e a nossa Igreja será verdadeiramente fecunda.
Assim seja!