Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
De alguns anos para cá, tornaram-se sempre mais freqüentes as notícias sobre violências praticadas contra cristãos em várias partes do mundo. Ataques contra igrejas cristãs, com numerosos mortos, aconteceram na Nigéria, no Egito e em outras partes da África; no Paquistão, na Índia e na Síria; mais recentemente, no Iraque, por conta dos jihadistas do pretendido “Estado Islâmico no Iraque e no Levante” (ISIL), estão acontecendo torturas, crucificações e decapitações em quantidade.
Embora não sejam as únicas minorias religiosas perseguidas e vítimas de todo tipo de violência nesses países, os cristãos são hoje o grupo religioso que mais perseguição e martírio sofre no mundo. À exceção da Índia, onde cristãos e outros grupos religiosos minoritários sofrem a discriminação e perseguição dos hinduístas, nos demais países que registram esse desrespeito ao direito de crer conforme a consciência vem de grupos extremistas islâmicos.
Recentemente, as atenções do mundo voltaram-se sobretudo para o conflito entre Israel e os Palestinos da Faixa de Gaza; enquanto isso, porém, um verdadeiro genocídio contra cristãos e outros grupos religiosos vem sendo perpetrado no Iraque. Onde os combatentes do pretendido “Estado Islâmico no Iraque e no Oriente” (ISIL) tomam conta, eles também impõem uma única forma de religião a todos: a corrente islâmica sunita.
Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, tinha muitos habitantes cristãos. Há cerca de um mês, ela foi tomada pelos jihadistas do ISIL, que marcaram com a inicial N, de “Nazareno”, as casas dos cristãos: estes foram postos diante de uma escolha entre 4 alternativas: a) deixar o Iraque em 24 horas; b) converter-se ao islamismo à força; c) pagar um tributo especial, por não serem muçulmanos, ficando reduzidos a cidadãos discriminados e explorados; d) morrer pela espada. Muitíssimos cristãos foram mortos e são mártires; mais de meio milhão já fugiram do Iraque, em busca de lugar mais seguro e livre para praticar sua fé.
No tempo de Saddam Hussein havia no Iraque bem mais de um milhão de católicos; tinham direitos de cidadãos e liberdade para praticarem sua fé, assim como outras minorias religiosas. Geralmente eram do rito caldeu. Quando iniciou a guerra contra o Iraque, para derrubar Saddam, conheci um bispo do Iraque, refugiado no Colégio Pio Brasileiro, em Roma, que previu o que hoje está acontecendo: serão os cristãos que vão pagar a conta dessa guerra… Atualmente continuam no país apenas 10 por cento dos católicos que lá viviam há cerca de 20 anos. Com a atual perseguição e martírio, quantos ainda restarão?
O Papa Francisco não tem deixado de levantar a voz em defesa dos perseguidos e martirizados parece ter, finalmente, despertado alguma ação em defesa dos perseguidos; no dia 18 de agosto, o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, da Santa Sé, divulgou uma mensagem condenando as barbáries cometidas pelo ISIL contra cristãos e outras minorias religiosas no Iraque.
Pouco se tem divulgado na opinião pública essa violência contra os cristãos e outras minorias religiosas. O jornal O Estado de São Paulo tem trazido algumas reportagens sobre o atual martírio dos cristãos no Iraque (cf ed. de 24 de julho de 2014, p. A11; e ed. de 17 de agosto, p. A21). Porém a escassez de notícias sobre a violência perpetrada contra cristãos é intrigante! Igualmente estranha é a pouca importância dada a fatos tão tristes pelos governos e os líderes das nações.
Apesar do reconhecimento da liberdade religiosa como um direito humano fundamental, a violência aberta e brutal contra grupos religiosas parece coisa sem importância nas preocupações dos senhores do mundo… Mas sem ver essa liberdade profundamente respeitada e valorizada, não haverá paz entre os povos.
fonte: CNBB