Santo em Destaque: São Columbano, Abade

Mui devidamente São Carlos Borromeu é contado entre os maiores santos que glorificaram  a  Igreja Católica no século XVI, defendendo-a vitoriosamente dos inimigos que contra ela  se levantaram.

                                               No calendário dos  santos, figura Carlos com o nome dos ascendentes maternos.  Os Borromeus, chamados antes Franchi, residiam antigamente na cidade de San Miriato.  Depois se ramificaram e encontramos seus diversos representantes em Florença, Pádua e Milão.  Gilberto, senhor de Avona, no lago Maggiore, casou-se  com Margherita, filha de Bernardino Medichino, de Milão, irmã de Gian Ângelo, mais tarde Papa Pio IV.  Gilberto Borromeu teve três filhos:  Frederico, Carlos e Camila;  esta se casou com Cesare Gonzaga de Guastalla, distinguindo-se por grande  virtude. Frederico contraiu matrimônio com Virgínia della Rovere, filha do duque Urbino e morreu com  27 anos.

                                               Carlos, o segundo filho de Gilberto, nasceu aos 2  de outubro de 1538. Menino ainda, revelou ótimo talento e uma inteligência rara. Ao lado destas qualidades, manifestou forte inclinação para a vida religiosa, pela piedade e  o  temor a Deus.  Era seu prazer  construir  altares minúsculos,  diante dos quais, em presença dos irmãos e companheiros de idade,  imitava as  funções  sacerdotais que tinha observado na Igreja.  Era mero brinquedo infantil.  O amor à oração e o aborrecimento aos divertimentos  profanos, eram  sinais mais positivos da  vocação sacerdotal.

                                               Os pais, por seu turno, julgando garantido o  futuro da família pelo primogênito Frederico, animaram a Carlos naquele modo de pensar, e levaram-no a  seguir a  carreira sacerdotal.  Com doze anos,  recebeu a tonsura e o hábito talar. Pela renúncia do tio Julio César, entrou  no usufruto da abadia de São Graciano.  Com este  acontecimento formou-se o laço, que prendeu o jovem à participação da vida pública da Igreja.  A administração de emolumentos que lhe provinham do benefício, Carlos considerava coisa sagrada.  “Bem eclesiástico é propriedade de Cristo e por ele dos pobres;  a estes aproveita o usufruto”. Foi esta a regra que a fé lhe ditou, e que as tradições da família lhe confirmaram.  Não consentia que bens da abadia fossem aplicados a necessidades de família. Emprestando  ao pai uma determinada quantia, exigia-lhe nota promissória.

                                               Tendo dezesseis anos, matriculou-se na Universidade de Pávia, para ouvir as  preleções do célebre canonista Francisco Alciati. Cinco anos  passou em Pávia, separado do mundo,  entregue aos  estudos e  à prática de piedade. Este tempo coincide  com  a  fundação de um patronato para estudantes, cuja organização lhe foi possibilitada pela cessão que o tio materno, o cardeal de Médici, lhe fizera de um benefício eclesiástico.

                                               Quando a notícia da morte do pai o chamou para casa,  revelava em todo o modo  de agir, o espírito e a tendência de um homem predestinado para grandes  coisas. Inacessível às artes de sedução, com que um velho empregado da casa o procurava prender, julgou também ter a obrigação de reconduzir os monges da abadia ao fiel  cumprimento dos deveres religiosos. Por meios hábeis, de bondade e energia, conseguiu este fim.  Até lá, o moço de 22 anos não tinha idéia do grande futuro que o esperava e do papel importantíssimo que havIa de desenvolver na igreja Católica.

                                               Gian Ângelo, tio materno de  Carlos, tinha sido  eleito Papa, e sob o nome de Pio IV,   tomado o  governo da Igreja.  Dos parentes que tinham  ido a Roma apresentar felicitações  ao recém-eleito, fora Carlos a única exceção e, como é de supor,  mui propositalmente. Pio IV mandou chamar o sobrinho à  metrópole da cristandade e deu-lhe as posições mais elevadas na hierarquia eclesiástica.

                                               Sucessivamente foi nomeado no ano de 1560, protonatário apostólico, referendário e cardeal diácono da Igreja de São Vito.  Oito dias depois  desta nomeação, recebeu o arcebispado de Milão, com residência  obrigatória em  Roma. Além destas  dignidades, recebeu outras geralmente consideradas anexas à cardinalícia, como sejam:  Legado apostólico de Bolonha,  Romana e Ancona, protetor de Portugal, dos países baixos,  da Suíça  católica, dos Franciscanos e  Carmelitas e presidente da consulta, isto é, do conselho deliberativo do Estado em  negócios  exteriores.  Muitos, porém,  acabaram descontentando-se por atribuírem a acumulação de funções como favoritismo.  Ninguém, porém,  estava mais descontente que o próprio privilegiado, não por ter se  tornado objeto das queixas nesse sentido,  mas principalmente por ter sido o primeiro que desejava uma reforma radical, na parte administrativa da Igreja. Às queixas e reclamações,  seguiu-se um grande contentamento, porque Carlos revelou logo um tino administrativo extraordinário, unido  a  um espírito de justiça  incomparável. Inacessível a adulação, de uma vigilância prudente e rigorosa,  ao mesmo tempo condescendente, deu Carlos, apesar de ainda muito jovem, o exemplo de um homem perfeito, cumpridor dos seus deveres. Além disto, era pessoa de modos delicados, de fino trato social, que com vantagem sabia impor-se na roda da alta sociedade  romana.  O jovem cardeal, fundou uma associação de sábios religiosos e profanos, que realizavam sessões no Vaticano.  Nestas reuniões, cada sócio tinha ocasião de proferir suas idéias, quer em forma de conferências, discursos ou discussões. Versando, a princípio, sobre assuntos de toda a espécie, mais tarde as conferências tiveram por objeto exclusivamente temas teológicos.  O patronato que havia fundado em Pávia, foi transformado em colégio para estudantes pobres.

                                               O ano de 1562 trouxe a  Carlos a graça do sacerdócio. Morrera seu irmão Frederico, sem deixar filho varão. Os Parentes insistiram, então,  com todo o empenho, para que Carlos abandonasse a  carreira eclesiástica, e tomasse estado.  O próprio Papa se fez intérprete do desejo da família. Por tudo acima que foi dito, não nos podemos admirar de ver que, a situação em que se achava as famílias dos Borromeus, nenhuma luta tivesse desencadeado no coração de Carlos.  Para por de vez termo a todas as  reclamações dos parentes,  fez-se ordenar e, depois do fato consumado, os surpreendeu com a notícia do seu sacerdócio.

                                               Ao Papa que não se  conteve e a Carlos externou o seu  grande descontentamento, respondeu:  “Santo Padre, não vos queixeis do meu proceder. Uni-me à esposa que muito amava e desejava com todo o ardor”.

                                               A partir  desse momento, se nota na vida de Carlos, pendência declarada para a  vida ascética.  O Jesuíta Pe. Ribeira, seu confessor e diretor de consciência, o introduziu cada vez mais “na vida espiritual, em Deus escondida”.

                                               No silêncio da meditação, lançou Carlos planos  grandiosos para a reorganização da Igreja Católica. Estes todos  se concentraram na idéia de concluir o Concílio de Trento. De fato, era o que a Igreja mais necessitava, como base e fundamento da  renovação e consolidação da vida religiosa. Por toda a parte surgiram abusos,  sintomas indubitáveis de uma decadência deplorável e de uma perturbação bastante séria do regime eclesiástico.   O duque Alberto de Baviera,  tinha arbitrariamente introduzido a comunhão dos fiéis sob ambas as espécies. O rei alemão Fernando, tinha publicado um catecismo de orientação contrária ao Concílio.  Nas cabeças dos políticos franceses, doideava a idéia de  um concílio nacional.  Na Polônia se realizou,  de fato, um concílio nacional de todas as confissões.  Na Inglaterra reinava Isabel,  a  qual, para legitimar sua sucessão, havia de celebrar a  independência da Igreja  inglesa da de Roma.  Só a  Espanha desejava a conclusão do Concílio Tridentino.

                                               Carlos, sem cessar, chamava a atenção do velho tio para esta necessidade, reclamada por todos os amigos da Igreja.  De fato, o Concílio se realizou, e não exageramos se apontamos Carlos como força motriz daquela grandiosa atuação da vida católica.

                                               Carlos quis ser o primeiro a  executar as  ordens da nova lei, ainda que por esta obediência tivesse de deixar a posição, para ocupar outra inferior.  Já fazia dez anos que a diocese não tinha visto senão comissários de Antístite. A autoridade do Vigário Geral, não chegava para pôr em execução as  determinações do Concílio Tridentino, que com traço enérgico cortava abusos enraizados na vida do clero secular, os quais  alegavam em seu favor o costume de muitos anos.

                                               Carlos visitou a  diocese e sua entrada em Milão foi uma apoteose. Os retratos dos seus avoengos,que tinham sido colocados nas salas do palácio, mandou ele retira-los, e no lugar destes pôr a imagem do glorioso antecessor e modelo, Santo Ambrósio.    Um mês depois da chegada, convocou o primeiro concílio providencial, cujo assunto principal era a reforma da vida clerical, de acordo  com as  determinações do  Concílio Tridentino.  O Concílio sofreu  uma interrupção pela morte do Papa.  Carlos, chamado a Roma, assitiu ao tio na hora da morte 91565).  No conclave que se reuniu, por ocasião da eleição do novo Papa, Carlos tomou parte.  O primeiro pedido que dirigiu a  Pio V, foi de poder voltar para a diocese, pedido a que o Sumo Pontífice, se bem que com pesar, lhe acedeu.

                                               De volta para Milão, desenvolveu Carlos uma atividade grandiosa. Para este fim, organizou uma série de concílios providenciais e diocesanos, escreveu  uma excelente instrução para os confessores, e publicou as instituições e regras da sociedade de escolas da doutrina cristã.   Em segundo lugar, trabalhou para a criação de seminários menores e maiores, e construiu em Milão, o Colégio Helveciano. Resistência tenacíssima e inesperada encontrou o arcebispo,  quando estendeu a reforma às Ordens Religiosas. Os Cônegos de Santa Maria della Scala,  apoiando-se em privilégios antigos, garantidos pelo rei da Espanha,  que ao esmo tempo era duque de Milão, negaram ao arcebispo o direito de visita canônica, e levaram o atrevimento ao ponto de pronunciar a sentença de excomunhão contra o prelado.  A mesma humilhação veio-lhe dos Franciscanos e dos Humiliatas.

                                               A Ordem destes foi dissolvida e  com este ato declarou-se por terminada a resistência das Ordens.  Em outras congregações religiosas, o  arcebispo  achou os mais dedicados auxiliares, como por exemplo, nos Jesuítas, nos Irmãos e Irmãs de  Escola,  dos Teatinos e Capuchinhos.  Uma organização admirável que o arcebispo criou entre o clero secular, foi a Congregação dos Oblatas, composta de sacerdotes seculares, que por único voto, tinham de estar sempre à disposição do Prelado, onde e  quando de auxílio precisasse.

                                               As visitas pastorais dão-nos uma idéia bem clara do espírito apostólico de Carlos Borromeu. Não lhe ra indiferente o modo como o clero cumpria o dever, e como o povo mostrava interesse em aceitar a doutrina cristã e  as determinações da autoridade eclesiástica.

                                               Freguesia não havia, por mais pobre, por mais inacessível que fosse, que não lhe tivesse recebido a distinção da visita.  No meio das fadigas da viagem (muitas vezes ele mesmo carregava a bagagem), conservava sempre o bom humor. Com os pobres, partilhava o pão dos pobres. Dias havia em que não tomava senão pão e água. De importância histórica tornaram-se as suas visitas à Suíça, onde criou instituições católicas de grande importância. Não só os católicos, mas também os próprios protestantes, recebiam jubilosamente o “santo bispo”. Por intercessão de Carlos,  a Suíça católica recebeu um Núncio Apostólico.  Foi Carlos quem introduziu na Suíça a  Companhia de Jesus  e a Ordem dos Capuchinhos, e defendeu os católicos suíços contra as inovações do Protestantismo.

                                               Carlos sabia muito bem que a caridade  abre os corações também à religião. Por isto foi que grande parte da receita pertencia aos pobres, reservando ele para si só o indispensável.  Heranças ou rendimentos que lhe vinham dos bens de  família, distribuía-os entre os desvalidos. Tudo isto não agüenta comparação com as  obras de caridade que o arcebispo praticou, quando em 1569-1570 a  fome e uma epidemia, semelhante à peste,  invadiram à cidade de Milão. Não tendo mais do seu para dar, pedia em  pessoa  esmolas para os pobres e  abria assim fontes de auxílio, que teriam ficado fechadas. Quando, porém, em 1576 a  cidade  foi  visitada pela peste, e o povo abandonado pelos poderes públicos, não tinha outro recurso senão o bispo;    este, para não falar na ereção de  hospitais e lazaretos que mantinha,  visto que ninguém se compadecia do povo,  ainda procurava os pobres doentes de que ninguém lembrava, consolava-os e dava-lhes os santos sacramentos.  Tendo-se esgotado todas as fontes de recurso, Carlos lançou mão de tudo o que possuía, para amenizar a triste sorte dos doentes.  Mais de  cem sacerdotes tinham pago com a vida, na sua dedicação e serviço aos doentes.  Deus conservava a vida do arcebispo, e este se aproveitou da ocasião para dizer duras verdades aos ímpios e ricos esquecidos de Deus.

                                               A peste ocasionou a  fundação de um grande asilo para pobres.  Além desta instituição, outros estabelecimentos de utilidade pública, a São Carlos devem sua fundação, como por exemplo, o Instituto dos Nobres em Milão, a Pia União pela salvação de pessoas do sexo feminino periclitadas, e diversas associações de  beneficência.  São Carlos, escreveu ainda duas pastorais, uma intitulada “Reminiscências para o povo da cidade e do arcebispado de Milão, e instruções para todas as classes, para praticarem as virtudes da vida cristã”, e a outra:  “Reminiscências dos dias dolorosos da peste”.

                                               Quem diria que, um bispo tão zeloso e tão santo, pudesse  ser alvo de acusações, como se tivesse tendências antipatrióticas? Os primeiros que lhe atiraram pedras, foram aqueles elementos que mais se  sentiram incomodados pela obra da reforma do prelado. Dos leigos, eram principalmente representantes da alta aristocracia, cuja vida estava em contradição com as leis da Igreja sobre o matrimônio. Dos clérigos, eram em primeiro lugar frades rebeldes que, intimados à sujeitar-se à reforma, se estribavam em direitos inatingíveis e privilégios centenários.  Milão pertencia à Espanha, sendo governado pelo duque de Milão, que era rei da Espanha. O primeiro governador, o duque Albuquerque, por ser admirador pessoal do venerável Bispo, conservou as  boas relações com a Cúria. Seu sucessor, porém, Aloísio Requesens, atendendo às  reclamações dos que se julgavam ofendidos em seus direitos, desrespeitou a jurisdição  episcopal e respondeu à sentença da excomunhão com a ocupação militar do Castelo de Arona (propriedade dos Borromeus) e do palácio arquiepiscopal.

                                               No ano de 1579, uma deputação apresentou em Roma as seguintes queixas contra o arcebispo:  de Carlos Borromeu ter proibido as  danças e divertimentos públicos nos domingos;  a  prolongação costumeira das folganças carnavalescas até depois do primeiro domingo da quaresma; de ter interdito a passagem pública pelas igrejas, quando esta era facultada para encurtar o caminho;  de na época da peste ter usurpado direitos que não lhe competiam e procurado engordar o povo;  e por último,  do rigor excessivo contra o clero.

                                               Gregório XIII,  como infundadas  não só rejeitou as  acusações, mas ainda recebeu Carlos Borromeu em Roma, com as  mais altas distinções.  Em resposta a este gesto do Papa, o governador de Milão, organizou no primeiro domingo da Quaresma de 1579, um indigno préstito, carnavalesco pelas ruas de Milão, precisamente à hora da missa  do arcebispo.  O mesmo governador, que tanta guerra ao Prelado movera,  e  tantas hostilidades  contra São Carlos estimulara, no leito de morte reconheceu o erro e teve o consolo da  assistência do santo bispo na hora da agonia. Seu sucessor,  Carlos de Aragão,  duque de Terra Nova,  viveu sempre em paz com a  autoridade  eclesiástica. O arcebispo gozou deste período só dois anos. Quando em  outubro de 1584, como era de costume, se retirara para fazer os exercícios espirituais, teve fortes acessos de febre, a que não ligava importância e dizia:  “Um bom pastor de almas, deve saber suportar três febres, antes de  se meter na cama”.   Os acessos  renovaram-se e consumiram as forças do arcebispo. Provido dos santos sacramentos, expirou aos 03 de novembro de  1584.  Suas  últimas palavras foram: “Eis Senhor, eu venho,  vou já”.   São Carlos Borromeu tinha alcançado a idade de apenas 46 anos e a sua morte foi muito pranteada. Para evitar uma inscrição pomposa na campa, tinha determinado no testamento que, no túmulo, lhe lessem as seguintes palavras: “Carlos, Cardeal, com o título de Santa Praxedes, arcebispo de Milão, que se recomenda à oração fervorosa do clero, do povo e do sexo feminino piedoso, em vida escolheu este monumento para si”.  Paulo V, canonizou-o em 1610 e fixou-lhe a  festa  para o dia 04 de novembro. O Corpo do santo em boa conservação, repousa na cripta do “duomo”, de Milão.

Reflexões:

São Carlos empregou todos os emolumentos do múnus episcopal pela glória de Deus e para benefício dos pobres. Este traço característico da  sua vida, mereceu-lhe ainda mais a admiração e  gratidão dos homens, do que se tivesse despendido os bens com parêntese amigos, em construções luxuosas, em festas e vaidades,  como fizeram  representantes do mesmo estado antes e depois, de cuja memória a história guardou apenas os nomes.   Que merecimento teria são Carlos se tivesse imitado o exemplo de outros, que mau uso fizeram das riquezas?  Para quantos a fortuna material tem sido a  causadora da desgraça eterna?    Diz São Leão:  “Não só os bens espirituais,  como também os materiais, vem de Deus, de cuja administração pedirá rigorosas contas. Os bens, tanto estes  como aqueles, não são propriedades nossas, mas Deus no-los confia para que,  distribuindo-os prudentemente, não nos sirvam de ocasião para pecar e nem motivo de condenação eterna.

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