Por: D. Estêvão Bettencourt”
A fé é a adesão do homem a Deus que lhe fala, revelando o mistério de sua vida íntima e o seu plano de salvação. Visto que se trata de verdades transcendentes, a fé é adesão no claro-escuro ou na penumbra. Por isto é um ato da inteligência que não tem a evidência do que professa, mas é movida pela vontade para dizer o seu “Sim”. A vontade, porém, só pode impelir ao “Sim” se está isenta de paixões e afetos desregrados, pois a fé exige conversão. Vê-se, pois, que o ato de fé mexe com toda a personalidade do ser humano. Daí encontrar obstáculos diversos de ordem intelectual e de ordem moral. As crises de fé têm motivos complexos, muitas vezes ligados a problemas de ordem ética.
Pode-se dizer que o ato de fé é o ato mais nobre que alguém possa realizar, pois procede da inteligência aplicada ao mais nobre objeto, que é o Ser infinitamente perfeito ou Deus. As crises de fé por que passam muitas pessoas em nossos dias, têm motivos complexos e variados. No intuito de colaborar na solução dessas crises, vamos, a seguir, propor o que é propriamente a fé, e quais os obstáculos que a podem pôr em xeque.
1. Que é a fé?
O Concílio do Vaticano I (1870), tendo em vista concepções errôneas do século XIX, definiu a fé nos seguintes termos, que bem resumem o ensino tradicional da Igreja:
“A fé… é uma virtude sobrenatural pela qual, prevenidos e auxiliados pela graça de Deus, cremos como verdadeiro o conteúdo da Revelação, não em virtude da verdade intrínseca (evidência) das proposições reveladas, vistas à luz natural da razão, mas por causa da autoridade de Deus, que não se pode enganar nem pode enganar a nós” (Denzinger-Schöenmetzer; Enquirídio de definições… 3008 [1789]).
O Concílio do Vaticano II, em 1965, retomou o conceito de fé, encarando outros aspectos:
“Ao Deus que revela, deve-se a obediência da fé, pela qual o homem livremente se entrega todo a Deus, prestando ao Deus revelador um obséquio pleno do intelecto e da vontade e dando voluntário assentimento à revelação feita por Ele” (Constituição Dei Verbum nº 5).
Estas duas definições convergem entre si, propondo as seguintes conclusões:
1) A fé não é um sentimento cego, nem meramente emotivo. Afaste-se a afirmação: “Todos temos que crer em alguma coisa, qualquer que seja”. Essa “alguma coisa” não pode ser algo de vago, indefinido, sentimental, mas é algo que o intelecto reconhece “inteligentemente”.
2) A fé não é mero ato de confiança, mero ato do coração e dos afetos, que se entregam a Deus como Salvador. Isto quer dizer: a fé tem caráter também intelectual ou inteligente (não meramente cerebrino ou frio, sem dúvida). É o ato mais nobre do homem, pois aplica a faculdade mais digna do ser humano (a inteligência) ao objeto mais elevado e perfeito, que é Deus. Afaste-se, pois, todo anti-intelectualismo ao se tratar da fé.
3) A fé é um ato da inteligência…, mas não só da inteligência. É uma atitude da inteligência movida pela vontade. Com efeito; o objeto proposto pela fé não é evidente por si mesmo (não é claro à razão, por exemplo, que Jesus é Deus e Homem). A inteligência humana tem o direito (às vezes… tem mesmo o dever) de estudar cada uma das proposições da fé: Jesus é Deus e Homem, Deus é Uno e Trino, Jesus está presente na Eucaristia… Após estudar a documentação respectiva (ou o porquê crer), a inteligência conclui: não são proposições evidentes como “dois e dois são quatro, o todo é maior do que qualquer de suas partes”, mas também não são absurdas e contraditórias como “o círculo é quadrado, o triângulo é redondo…”. Se fossem evidentes por si mesmas, a inteligência estaria coagida a dizer-lhes “Sim”, como é coagida a dizer “Sim” a “dois mais dois são quatro”. Por conseguinte, feito o exame das proposições da fé, a inteligência diz ao estudioso: “Se queres, podes crer” e passa para a vontade a decisão final – o assentimento ou a recusa.
4) Vê-se, pois, que a fé não é movida pela evidência intrínseca das proposições reveladas por Deus, mas ela tem motivos de credibilidade. Ela pede credenciais; baseia-se na evidência extrínseca, ou seja, na autoridade e credibilidade de quem ou do que transmite a mensagem. Antes de crer, a inteligência vê que deve crer; existem preâmbulos necessários à fé. Diz S. Tomás de Aquino: “O homem não acreditaria se não visse que deve crer” (Suma Teológica II/II q.1, art. 4, ad. 2).
5) Por conseguinte, a fé é um ato livre; é um obséquio voluntário prestado pelo fiel à autoridade de Deus que se revela. É portanto um ato mais nobre do que os atos cujo objeto é tão evidente que eles se tornam obrigatórios. O ato de fé supõe reflexão e decisão consciente e responsável.
6) Acontece, porém, que a vontade humana pode ser influenciada, consciente ou inconscientemente, pelas paixões e os afetos do indivíduo. Alguém pode ter posições preconcebidas contra a fé, pois esta exige mudança de vida que o homem desregrado pode não querer realizar; quando a verdade não lhe convém, a pessoa tenta “provar” que ela não é verdade e que a evidência não aparece. Escreveu o filósofo Thomas Hobbes (+ 1678): “Se nisto tivessem os homens interesse, duvidariam da geometria de Euclides” (Sistema da Natureza 2, 4).
Em muitos casos, a falta de fé não se deve a dificuldades intelectuais, mas aos sacrifícios que a fé impõe. O hedonismo, a procura do prazer e a fuga das renúncias dificultam enormemente o acesso às verdades da fé. Já Sêneca (+ 63 d.C.) dizia: “Muitas vezes ocorrem-me pessoas que julgam ser impossível fazer o que elas não podem fazer… Tais pessoas, na verdade, podem fazê-lo, mas não o querem… Não se diga: ‘Não ousamos fazê-lo por ser coisa difícil’, mas ‘é coisa difícil porque não o ousamos fazer’” (A Lucílio, Epístola 104).
7) Vê-se assim que a fé solicita a pessoa humana e todas as suas faculdades. Ter fé implica a mobilização geral das virtualidades do indivíduo; “pela fé o homem se entrega todo a Deus”, diz a Constituição Dei Verbum atrás citada.
Examinemos agora a fundamentação neotestamentária desta noção de fé.
2. Que diz o Novo Testamento?
No Evangelho freqüentemente a palavra crer (pisteuein, em grego) indica, nos ouvintes, uma atitude de resposta a uma verdade proposta ou a um ensinamento:
Jo 7,46: “Se vos digo a verdade, por que não me credes?”
Jo 5,46 s.: “Se crêsseis em Moisés, haveríeis de crer em mim, porque foi a meu respeito que ele escreveu. Mas, se não credes em seus escritos, como crereis em minhas palavras?”.
Jo 10,37 s.: “Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim. Mas, se as faço, ainda que não acrediteis em mim, crede nas obras, a fim de conhecerdes e conhecerdes sempre mais que o Pai está em mim e eu no Pai”.
Jo 11,26 s.: “Eu sou a ressurreição e a vida; crês nisto? – Sim, Senhor; creio que és o Cristo”.
São Paulo professa a mesma concepção em Rm. 10,9: “Se com tua boca confessares que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”.
O cristão crê num fato que ele considera verdadeiro, e esta fé salva:
Cl. 2,6 s.: “.. Enraizados em Cristo, sobre ele edificados e apoiados na fé, como aprendestes, e transbordando de alegria. Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da filosofia, segundo a tradição dos homens”.
A doutrina da fé transmitida pelos Apóstolos é verdadeira e distingue-se das especulações da falsa filosofia. Por conseguinte, a fé é a adesão à verdade; o que não se coaduna com ela, é crendice, é heresia ou erro.
Hb. 11,1: “A fé é a posse antecipada das coisas que esperamos; é a demonstração das coisas que não vemos”.
Esta quase definição da fé põe em evidência o aspecto intelectual da fé: ela demonstra ou faz ver antecipadamente o que o cristão conhecerá plenamente na visão face-a-face da Beleza Infinita.
Tt. 1,9: “O epíscopo (= vigilante da lgreja) deve ser de tal modo fiel na exposição da palavra que seja capaz de ensinar a sã doutrina e refutar os que lhe contradizem”.
Mc 16, 15s: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado, será salvo; quem não crer; será condenado”.
Este texto põe em evidência o aspecto livre do ato de fé. Quem ouve a mensagem do Evangelho, pode aceitá-la crendo, como a pode rejeitar recusando crer.
Tais passagens bíblicas são citadas para comprovar que a fé não é um sentimento cego nem um mero ato de confiança afetiva em Deus, mas, sim, uma atitude da inteligência, que, movida pela vontade livre, diz “sim” à Palavra de Deus que se revela.
À guisa de complemento, pode-se acrescentar que ter fé não é algo raro ou extraordinário para o ser humano. Na vida cotidiana, todo homem, mesmo o ateu, exercita a fé,… a fé na autoridade de quem lhe fala, e, na base dessa fé, pauta o seu comportamento. É o que se dá, por exemplo, com quem lê ou ouve o noticiário dos jornais; notícias relativas à economia nacional e internacional lhe são transmitidas em caráter decisivo; se a fonte de informações é segura, a pessoa não se preocupa com averiguações empíricas, mas crê e tira suas conclusões concretas. Todo homem crê também nos historiadores que com seriedade lhe relatam o passado. Crê também que N.N. é seu pai ou sua mãe, sem procurar provas fisiológicas ou médicas para crê-lo. Crê no médico que lhe receita um remédio ou um tratamento…
O papa João Paulo II lembra estes aspectos na sua encíclica “Fé e razão”: «Na vida de uma pessoa, são muito mais numerosas as verdades simplesmente acreditadas do que aquelas adquiridas por verificação pessoal. Na realidade, quem seria capaz de avaliar criticamente os inumeráveis resultados das ciências, sobre os quais se fundamenta a vida moderna? Quem poderia, por conta própria, controlar o fluxo de informações recebidas diariamente de todas as partes do mundo e que, por princípio, são aceitas como verdadeiras? Enfim, quem poderia percorrer novamente todos os caminhos de experiência e pensamento pelos quais se foram acumulando os tesouros da sabedoria e religiosidade da humanidade? Portanto, o homem, ser que busca a verdade, é também, aquele que vive de crenças» (nº. 32).
Examinemos agora de mais perto os obstáculos intelectuais e os obstáculos morais que dificultam ou mesmo impedem o ato de fé.
3. Obstáculos intelectuais
Assinalam-se dois principais obstáculos: a ignorância religiosa e os vícios de método.
3.1. Ignorância religiosa
O primeiro dos obstáculos intelectuais é a ignorância ou também a errônea transmissão das proposições da fé. Com efeito; não é raro alguém negar as verdades da fé, porque não as conhece adequadamente ou só conhece caricaturas da verdade. Tal é o caso, por exemplo, de quem rejeita a fé porque julga que ela ensina a criação do mundo em seis dias de 24 horas, a origem do homem a partir do barro, a da mulher a partir da costela de Adão… Já Tertuliano (+ 220 aproximadamente), apologista cristão, escrevia aos pagãos: “A religião cristã vos pede uma só coisa: que não a condeneis sem a conhecer”.
Pascal (+ 1662), filósofo e matemático francês, censurava os que superficialmente abordam as verdades da fé:
“Julgam ter feito grandes esforços para se instruir porque empregaram poucas horas na leitura de algum livro da Escritura ou interrogaram algum eclesiástico sobre as dificuldades da fé. Depois disto ufanam-se de haver procurado em vão nos livros e nos homens” (Pensées, sect. III, nº 194, Brunschvig II, p. 102).
O padre Leonel Franca apresenta alguns exemplos da ignorância religiosa que leva a renegar as verdades da fé:
“Infelizmente é com lacuna de informações e descuidos críticos que se fundamentam conclusões frágeis e apressadas de certos manuais de história comparada das religiões. Esbatem-se na penumbra diferenças essenciais, põem-se em relevo semelhanças de superfície, forçam-se analogias até a identidade, interpretam-se ritos e cerimônias pela materialidade externa dos atos e não pelo profundo significado íntimo da idéia que as anima e especifica; explicam-se todas as concordâncias por simples empréstimo ou influências históricas. As conclusões são inesperadas e radicais” (A psicologia da fé, p. 77).
O autor se refere aos estudiosos que, por exemplo, afirmam que o dogma da SS.ma. Trindade não é senão o eco cristão de tríades de deuses do Egito e da Índia …; a maternidade virginal de Maria seria o mito da Virgem-Mãe transposto para o Credo cristão; o batismo cristão não seria mais do que uma das tantas abluções rituais da antigüidade; a ceia eucarística uma cópia das refeições sagradas do paganismo. Somente uma análise superficial dos fatos leva a dizer tais coisas. Na verdade, há manifestações e cerimônias religiosas que são espontâneas à natureza humana como tal e, por isto, encontradas em várias correntes religiosas com grande semelhança entre si. Diferem, porém, umas das outras pelo espírito ou a visão doutrinária que inspira cada uma dessas práticas. Em conseqüência não se pode falar de empréstimo ou dependência do cristianismo em relação a outras correntes religiosas.
Além de quanto foi dito atrás, deve-se notar que, em nossos dias principalmente, a fé requer estudo continuado. Com o passar dos anos, as verdades reveladas podem ser penetradas com mais maturidade. O cristão as contempla numa síntese harmoniosa, que depende da aplicação da mente e da vivência concreta. Por outro lado, a multiplicação de correntes religiosas, sociedades “místicas”, escolas de orientalismo, exige do fiel católico uma constante atualização de seus conhecimentos religiosos, a fim de que não se deixe levar por objeções mal construídas e sofismas. Especialmente importante, no caso, é o estudo da Escritura Sagrada e da História da Igreja.
3.2. Vícios de método
Há quem se faça de pesquisador autodidata, às vezes preconceituoso. Tal pessoa dificilmente atingirá a beleza das verdades da fé.
Santo Agostinho, ao descrever seu itinerário espiritual, refere-se a uma época em que ele queria enquadrar Deus dentro de imagens quantitativas. Este preconceito lhe dificultou o acesso à verdade:
“Queria ter na área das realidades invisíveis uma certeza igual à de que três mais sete são dez … O que não era suscetível de uma representação quantitativa, parecia-me não existir” (Confissões VI, 4; VII, 1).
Requer-se do estudioso não uma diminuição do rigor lógico, mas o que Aristóteles considerava sinal de maturidade científica: a plasticidade da inteligência, que sabe adaptar-se aos múltiplos aspectos da realidade, procurando em cada aspecto os caminhos que, decorrentes da própria natureza das coisas, levam à certeza. Trata-se de ser dócil à realidade investigada em toda a riqueza da sua complexidade.
Os vícios no método de estudo podem levar a uma falsa certeza ou a um saber falso, que é pior do que a própria ignorância. Já Platão (+ 347 a.C.) o notava. Na obra “Leis”, um dos interlocutores diz a Platão: “Parece-me que receias entrar nessas questões por causa da nossa ignorância”. Responde o mestre: “Muito mais recearia tratar com pessoas que tivessem estudado tais coisas, porém mal. No caso, não é a ignorância das multidões a mais perigosa, nem a mais temível, nem o maior dos males. Ter estudado muito e muito haver aprendido, mas com métodos viciosos, é mal muito maior” (Leis X 818s). Com outras palavras: aprender mal é pior do que não aprender. As falsas “verdades” causam maior mal do que a ignorância.
Um dos mais sérios obstáculos à apreensão da verdade é o preconceito do racionalismo. Este afirma que tudo pode ser explicado racionalmente. O que a razão não abarca, só pode ser lenda ou mito. Assim fica de antemão excluída a possibilidade de qualquer intervenção extraordinária de Deus no curso da história. No princípio da investigação científica põe-se um ato de fé,… ato de fé num preconceito estabelecido dogmaticamente. Ora a ciência deve ser imparcial; ela não pode ser cerceada por preconceitos ou por princípios estipulados a priori ou de antemão.
4. Obstáculos morais
4.1. O orgulho
O orgulho é a recusa de qualquer submissão: é a pretensão a uma independência sem limites. É claro que isto dificulta, se não impede, o acesso a Deus.
O orgulho é excitado pelas conquistas científicas e tecnológicas do homem contemporâneo, que, ao menos inconscientemente, tende a colocar Deus de lado para ocupar o lugar dele. Aliás, já no século passado Pierre Eugéne Marcelin Berthelot (+ 1907), grande químico francês, escrevia:
“Para que a ciência não se fragmente em especialidades, é mister que haja pelo menos um cérebro capaz de abraçá-la no seu conjunto. Esse cérebro creio ter sido eu; receio ser o derradeiro” (citado por Paul Painlevé, Le Temps, 20/3/1907).
Não é necessário desenvolver a temática, clara por si mesma.
4.2. A sensualidade
A sensualidade é a busca do prazer sensual pelo prazer, sem respeito à finalidade das funções sexuais. A moral filosófica não é contrária ao prazer, mas afirma que o prazer é um derivado decorrente do exercício harmonioso de determinada atividade.
A sensualidade pode escravizar o homem e obnubilar a sua mente. Produz desequilíbrio no comportamento humano e assim incompatibiliza as pessoas com as verdades da fé.
Esta afirmação é evidente aos pensadores desde os tempos mais remotos. Já Pitágoras, no século VI a.C., submetia seus discípulos a longo exercício de virtudes que os preparassem ao estudo da sabedoria. A ascese era o vestíbulo da escola pitagórica.
Sêneca (+ 63 d.C.) escrevia: “Se a virtude a que aspiramos é de tão grande valor, não é porque a isenção de vícios seja uma felicidade real, mas porque assegura à alma toda a sua liberdade e a prepara ao conhecimento das coisas celestes, tornando-a digna de conversar com Deus” (Quaestiones Naturales, Prefácio).
Aliás, o Senhor Jesus o confirma no Evangelho, dizendo: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt. 5, 8).
O impuro não pode conhecer o puro. A maneira de viver condiciona a maneira de ver.
À guisa de ilustração, sejam citados ainda outros pensadores, mesmo não cristãos.
Rogério Bacon (+ 1294), o fundador da ciência experimental, escrevia: “A virtude esclarece a inteligência e facilita-lhe a compreensão não só das verdades morais, mas até mesmo a das puramente cientificas” (Opus Malus II).
Maine de Biran (+ 1824), um dos pensadores modernos mais perspicazes, observa: “É mister reconciliar o coração com as luzes, a consciência com os costumes, os deveres com os prazeres e, por aí, chegar à paz do coração, a esta paz interior, sem a qual não há felicidade possível” (Journal Intime).
Na Alemanha Johann Gottlieb Fichte (+ 1814) afirmava: “Se minha vontade é reta, se ela tende constantemente para o bem, a verdade se revelará sem dúvida à minha inteligência. Eu sei que não pertence só ao pensamento produzir a verdade” (Destination de l’homme).
A grande santa Teresa de Ávila (+ 1582) notava: “A coisa mais razoável do mundo parece-nos loucura quando não temos vontade de praticá-la” (Fundações, cap. V).[1]
5. Conclusão
Escreve o padre Leonel Franca em sua linguagem erudita: “A conquista da verdade religiosa encontra numerosos obstáculos, uns de ordem intelectual, outros de caráter moral. Na realidade viva das almas, a ação de uns e de outros … funde-se na síntese de um todo solidário e complexo. As ignomínias do coração procuram sempre a cumplicidade da inteligência. Os extravios intelectuais raras vezes deixam de refletir-se na desordem dos costumes. Erro e vício colaboram freqüentemente em afastar o homem da verdade total.
Destas dificuldades triunfam as pessoas retas e sinceras” (A psicologia da fé. Ed. Agir, p. 195)
Após quanto acaba de ser exposto, verifica-se que a fé mexe com toda a personalidade do ser humano: intelecto (pois é a adesão à Verdade, e não um sentimento cego), vontade (pois vem a ser entrega total e livre a Deus, que fala e convida) e afetos ou paixões (pois exige ordem e equilíbrio no mundo afetivo do ser humano, que é, muitas vezes, sorrateiro e traidor). A fé, porém, assim concebida vem a ser o antegozo do encontro final com Deus, que é a grande resposta aos anseios humanos.
Fonte: Paraclitus